1. O pensamento Político da Idade Moderna
1.1. O Renascimento e as ideias políticas
Entre os meados e fins do
século 15 entra-se numa nova fase da história da Europa – a fase do
renascimento que dá inicio a chamada Idade Moderna.
Nesta idade, há uma forte
atenuação do espírito religioso global e envolvente que marcou a Idade Média e
uma clara acentuação do humanismo e dos valores profanos, num quadro geral de
restauração da cultura greco-romana e de ruptura com a Idade Média. Tudo que é
humano passa a ser mais importante que o divino. Como escreveu Pico della
Mirandola “nada é mais admirável do que o homem”
Neste período contrariamente a
Idade Média vai-se consolidar a supremacia do poder civil sobre o poder
eclesiástico.
Dá-se a centralização do poder
real e a afirmação do Estado Soberano. É o fim do feudalismo, dos poderes
senhoriais, corporativismos e eclesiásticos.
É neste período que nascem as
grandes monarquias europeias, os Reis Católicos em Espanha, D. João II em
Portugal, os Tudors em Inglaterra e o
absolutismo real em França culminando no l’
Etat c’ est moi de Luís XIV. É o primado da política sobre a moral. O monarca desliga-se, cada vez mais, de
vínculos de carácter religioso, para se guiar por motivações estritamente políticas
(politique d’abord, em vez de morale d’abord).
Nesta época os descobrimentos
portugueses foram muito importantes, com
as descobertas vêm o progresso das técnicas e da mentalidade cientifica, nasce
o capitalismo moderno, primeiro o comercial e só depois o industrial.
É nesta fase também que se
inicia a Reforma Protestante, seguida de Contra-Reforma, acontecimento que
dividirão a Europa cristã em dois grupos, o dos cristãos e protestantes, grupos
que se confrontarão em “guerras religiosas”.
O Renascimento foi um período
importante, e como escreve Cabral Moncada “depois da Grécia e depois do
Cristianismo, nenhuma outra revolução na história do espirito europeu teve
consequências tão transcendentes como o Renascimento.
O primeiro autor desse período que
iremos analisar é Nicolau Maquiavel.
1.2. Secularização, humanismo e Estado em Nicolau
Maquiavel.
A importância de Maquiavel na
história do pensamento político reside exactamente em ter posto isso em
evidência, desmistificando o fenómeno do poder político. A luta pelo acesso a
essa capacidade suprema, pela sua manutenção e seu uso, define todo o fenómeno
central da política[3].
Em Il Príncipe (escrito em 1513 e publicado em 1532)[4], o
grande objectivo do autor é, diz Maquiavel, aconselhar o Príncipe, sobretudo –
diz – sobre o modo de adquirir e
conservar o poder[5].
Uma
interpretação da natureza humana
A natureza humana caracteriza-se,
segundo Maquiavel, por uma contínua
busca, pela sua conquista, conservação e expansão do poder. Escreve, a este
respeito: «O desejo de conquistar é uma coisa muito natural e comum, e sempre
que os homens que o puderem o fizerem (conquistas) serão louvados por isso, ou
(pelo menos) não serão censurados».
De certa forma, é ao nível do
Estado – seja na luta pela conquista do Estado, seja na esfera de poder e nas
relações de poder entre os Estados – que este carácter expansivo e agressivo da
natureza humana ganha maior relevo.
Oiçamos ainda Maquiavel: «como é
minha intenção escrever coisas proveitosas para aqueles que as entenderem,
parece-me mais conveniente ir direito à verdade
efectiva do assunto do que os desvarios da sua imaginação (daquela que se
projecta sobre os assuntos políticos). Alguns imaginaram repúblicas e
principados que nunca foram vistos nem conhecidos por verdadeiros. É tão grande
a diferença entre a maneira como se vive e a maneira como se deveria viver que
quem trocar o que se faz pelo que se deveria fazer aprende mais a perder-se do
que a salvar-se, pois quem quer viver exclusivamente como homem de bem não pode
evitar perder-se entre tantos outros que não são bons. Portanto, é necessário a
um príncipe que queira manter a sua posição aprender a poder não ser bom, e a
servir-se ou não disso de acordo com a necessidade».
A partir daqui, podemos
identificar, para o nosso estudo, três aspectos essenciais do pensamento
político de Maquiavel: (a) utilitarismo;
(b) a importância da observação no estudo da política, ou, noutros termos, a natureza empírica do pensamento político
(MRS:50); e (c) o realismo político.
Vejamos cada um deles.
a) utilitarismo
A reflexão
política de Maquiavel «é essencialmente pragmática, visa ser útil para a acção,
num mundo «tal como ele é e não como deveria ser» (VSM: 27). Ou como o autor
muitas vezes refere, a «verdade efectiva
do assunto» (veritá effectuale della
cosa).
«O alvo da acção subordina os
métodos». Como diz o autor, a inflexibilidade doutrinária ou de qualquer outro
tipo, deverá ser recusada, na medida em que ela pode restringir os meios a usar
para atingir com êxito o objectivo visado (VSM: 27). O que leva, as mais das
vezes, à acusação que lhe é feita de que para ele todos os fins justificam os meios.
b) A natureza
empírica do pensamento político
Maquiavel adopta «um método científico
de observação dos fenómenos políticos, em resultado dos quais vai procurar
estabelecer as leis naturais da política» (FLB: 61).
De facto, a partir de Maquiavel
«a reflexão política passa a estar situada no plano empírico-técnico, e não no
horizonte da procura de aplicação de um desiderato normativo-ideal»; «a própria
noção de Estado de que serviu para designar a comunidade política ou a
república, como algo de particular e concreto (“stato”), foi ele que a
introduziu».
c) o realismo
político como princípio de orientação
O texto que acabámos de ler
«situa-se claramente na zona dos paradigmas clássicos da Realpolitik». O autor parte, como vimos, do postulado de que, «quem
trocar o que se faz pelo que se deveria fazer, aprende mais a perder-se do que
a salvar-se», ou seja, aqueles que no universo da luta política se guiam apenas
por normas éticas, por uma ideia de bem, estão inevitavelmente condenados ao
fracasso, a caminho da morte (seja ela física, como muitas vezes era na altura
do nosso autor, mas pelo menos política).
E portanto, na arena da política,
«a moral não só é irrelevante como é, geralmente, inimiga do seu sucesso. A
sabedoria política torna-se uma correcta avaliação dos meios e fins».
A razão de Estado
Uma «razão de Estado», sem quaisquer
limites para a ética cristã, ocupa um plano central no pensamento deste nosso
autor. «Ao contrário dos seus sucessores jusnaturalistas, Maquiavel – com a
ligeira excepção de algumas reflexões patentes nos Discorsi – não elaborou uma doutrinada origem e formação do Estado.
Toda a sua obra dá como adquirida uma certa forma de realidade institucional de
âmbito estatal, cuja tomada e conservação é considerada o objectivo e a fonte
de onde emana o poder político.
Do conjunto de recomendações e
conselhos ao Príncipe, «deriva toda desse manancial comum que consiste na
identificação de uma esfera última de fundamentação que é a do interesse do
Estado como interesse fundamental, i.e.,
a razão de Estado».
A esse propósito, escreve
Maquiavel: «Se um príncipe tiver o propósito de vencer e de manter o Estado, os
meios utilizados serão sempre tidos por honrosos e louvados por todos, pois o
vulgo só julga pelo que vê e pelos resultados. Ora, neste mundo só existe o
vulgo[10]…».
Organização do poder político (os regimes políticos)
Maquiavel considera não
interessar apurar se um governo é ou não tirânico, mas apenas se é ou não
eficaz (mais tarde, Hobbes, dirá apenas que a tirania é «um nome dado às
monarquias impopulares: “com efeito os que estão descontentes com a monarquia
chamam-lhe tirania”»).
Maquiavel classifica os regimes
da seguinte forma:
a) Principados (diríamos hoje, Monarquia), em que a soberania reside numa pessoa; e
b) Repúblicas, em que a soberania reside num conjunto de pessoas. Que
por sua vez podem ser: aristocráticas (governadas pelos nobres); ou populares
(governadas pelo povo).
Assim, rejeita, não só, a tripartição clássica, como a valoração qualificativa (legitimidade
de exercício), características dos modelos anteriormente descritos,
diferentemente daquilo que estudámos desde Platão a Aristóteles, de S.
Agostinho a S. Tomás de Aquino.
Em Maquiavel, não há formas de governo boas ou
más, sãs ou degeneradas, justas ou injustas. Há, sim, umas mais convenientes do
que outras, segundo as circunstâncias. De um ponto de vista qualitativo, o
único critério é o do sucesso político, o da manutenção do poder. Mau príncipe
é aquele que não chega ao poder, ou que o perde a curto prazo. O que significa
que o critério decisivo é o da conveniência política e não o critério moral.
Principais inovações de um ponto de vista do objecto da ciência política e
do seu método:
Na lógica presidente de que os
fins justificam os meios, pode o príncipe (como vimos) ter de usar métodos
imorais para manter o poder. A partir de Maquiavel forma-se uma tradição
filosófica que entende ser o poder o
objecto da política, tal como o definimos na nossa primeira aula.
A importância de Maquiavel na
história do pensamento político reside exactamente em ter posto isso em
evidência, desmistificando o fenómeno do poder político. A luta pelo acesso a
essa capacidade suprema, pela sua manutenção e seu uso, define todo o fenómeno
central da política[14].
Como corolário disto, a separação da política da moral e da
religião: numa atitude percursora do positivismo, expulsa da política a
metafísica, separa radicalmente a cidade de Deus da cidade dos homens e torna
assim o conhecimento desta, dependente apenas da razão humana.
De um ponto de vista metodológico, em duas palavras: rigor
analítico, ou seja, a descrição de uma realidade política, ainda que
vergonhosa, como ela é, em vez de uma virtualidade ideal.
1.3. Jean Bodin: a invenção do conceito de soberania.
Vejamos a nossa Constituição no
seu artigo 1.º, o legislador constituinte dispõe que: «A República de
Moçambique é um Estado (independente e) soberano…».
A ideia nova que Bodin traz para
o pensamento político, a ideia central da sua obra (Les Six Livres de la Republique, 1583) e na qual vamos centrar a
nossa atenção é, precisamente, o
conceito de soberania .
E aqui é necessário que tenhamos
em mente que o modelo de Estado que então predomina na Europa é o Estado
monárquico. E que quando se fala nesse tempo em soberania se está a falar,
obviamente, em soberania do Rei. O
conceito de soberania popular
vai-nos aparecer bastante mais tarde. E, portanto, o que está em causa, para o nosso
autor, é saber qual a natureza dos
poderes que pertencem ao monarca, ao «soberano». Em que é que se traduz a
soberania? Nas palavras de Bodin, «a
soberania é o poder absoluto e perpétuo».
Comecemos pelo segundo aspecto: um poder perpétuo.
Bodin entende que um poder
perpétuo é um poder irrevogável. Ora
esse poder só é irrevogável se for originário,
se não tiver sido transmitido por nenhum outro poder, caso em que seria um
poder delegado, e, como tal, revogável.
E, a partir daqui, podemos fixar os
primeiros quatro atributos essenciais do conceito de soberania (já falaremos do
5.º atributo…):
a) a soberania é originária (é própria e não delegada);
b) o que significa que é irrevogável (estabilidade política);
c) o que significa ainda, por
isso, que é perpétua (fundamento da
hereditariedade como fundamento do poder político);
d) consequentemente, essa
soberania é suprema (um poder que
não tem que admitir qualquer outro acima dele).
Bodin aborda aqui toda a
problemática que vimos em aulas anteriores, quando nos referimos às doutrinas
da origem do poder real, pondo assim em causa as doutrinas que o soberano
recebia o poder das mãos do Papa, ou do povo. E assim, deixa de ser um poder delegado, e como tal revogável. O fundamento
do poder real passa a ser o da hereditariedade.
O que significa, desde logo, uma ruptura com o ordenamento medieval dos
poderes. Consiste na consciência adquirida de que não seria possível
manter, de uma forma pacífica e harmoniosa, aquele tipo de ordenamento, que
agora para se salvar e ultrapassar as situações de conflito, necessita de
admitir no seu interior a presença de um poder de natureza distinta (dos
restantes), de um poder originário e por isso, de um poder soberano.
O outro aspecto que a soberania
deve revestir é a de ser um poder
absoluto.
Isto não significa que não tenha limites. Pelo contrário, neste aspecto,
Bodin mantém uma certa ligação à tradição medieval:
a) A distinção entre Rei e Coroa, determina a impossibilidade de modificar as leis de sucessão; e de alienar os bens integrantes do tesouro público;
b) Em segundo lugar, ainda mais
importante, a existência de um direito
profundamente radicado nas coisas e nos bens que regula a sua propriedade:
dos indivíduos, das famílias, das comunidades rurais ou urbanas
(Fioravanti:74);
c) Por fim, esse poder soberano
exprime-se através do poder legislativo,
ou seja, o poder de fazer leis e de as revogar (uma alteração importante face à
prevalência do costume que caracterizava a Idade Média).
Deus está acima de tudo e surge, para
Jean Bodin, como o fundamento do comportamento
moral de todo o homem. As leis devem estar de acordo com a natureza. O soberano deve submeter-se tanto à lei divina, como à
lei natural (auto-limite/hetero-limite).
Em que é que consiste, então, esse poder absoluto?
Numa primeira análise implica,
sobretudo, «dar ordens sem nunca as receber». Mas significa, acima de tudo, que
numa comunidade política bem ordenada,
que realmente aspira a evitar o conflito
e, sobretudo, o perigo da sua dissolução, existem
prerrogativas e poderes (v.g., o
poder legislativo; o poder de declarar a guerra e firmar a paz; o poder de
decidir em última instância sobre controvérsias entre os súbditos; o poder de
nomeação dos magistrados; ou o poder de lançar impostos), que não podem ser objecto de convénios, que não podem ser partilhados.
Ou seja, o carácter absoluto do poder
soberano consiste, justamente, neste quinto atributo, na sua indivisibilidade. Em conclusão, «se a primeira marca da
soberania consiste em dar lei aos súbditos, o soberano não pode estar sujeito,
em caso algum, a recebê-la da parte daqueles a quem as dá. Caso contrário,
estar-se-ia a minar a própria possibilidade da relação que se estabelece entre
soberano e súbditos».
1.4. Estado e cidadania em Thomas Hobbes.
Em Maquiavel, a preocupação
central do autor tinha sido, como vimos, o da «ligação entre o estudo do poder, das suas estruturas e problemas (o
modo de aquisição e conservação do poder); com
uma (particular) interpretação da
natureza humana» (pessimismo antropológico).
Diferentemente, Hobbes, vai
confrontar-nos, sobretudo, na sua obra principal – Leviathan (1651) – com uma profunda e original «reflexão sobre a génese e a natureza do
poder», mais concretamente, com a
origem e as características do poder do Estado.
No que concerne ao objecto da política, é de realçar os
contributos recebidos «do realismo de Maquiavel, da teoria da soberania
absoluta de Jean Bodin e da concepção contratualista do estado de Hugo
Grotius».
«Não obstante adoptar uma análise
realista da vida política concreta, seguindo neste aspecto uma postura metodológica próxima de
Maquiavel, Hobbes parte de uma visão muito pessimista sobre a natureza humana, encontrando no Estado, enquanto expressão
de um contrato social que envolveu a alienação para um soberano do direito de
cada homem se governar a si próprio, a solução para a paz e o bem comum de
uma colectividade que, vivendo no seu
“estado de natureza”, se destruiria. O Estado é, deste modo, a única
salvaguarda do indivíduo».
Enquadramento histórico-político das obras:
«a) A persistente resistência do
Estado feudal, das ordens, com a sua legislação fragmentária e particularista.
b) As longas e selváticas guerras
religiosas europeias, em particular a Guerra dos Trinta Anos (Inglaterra e
França, 1618-1648), que acompanhou toda a formação do pensamento de Hobbes.
c) A guerra civil inglesa, desde
o Longo Parlamento, passando pelo consulado republicano de Cromwell, e o
atribulado início da Restauração.
d) A multiplicação das doutrinas
justificativas do poder absoluto dos reis, em particular as que o defendiam de
um ponto de vista teológico (Filmer, Bossuet).
e) A dura luta pelo “equilíbrio
do poder” (balance of power) entre as
potências europeias, na qual se destaca, pelo seu cruel e frio realismo
estratégico, a França do cardeal Richelieu».
Escreve: «Eu demonstro, em
primeiro lugar, que o estado dos homens
sem sociedade civil, estado esse a que podemos chamar com propriedade de estado natureza, nada mais é que um estado de guerra de todos contra todos;
e nessa guerra todos os homens têm igual
direito a todas as coisas. De seguida, que todos os homens, logo que chegam
à compreensão desta odiosa condição, desejam, e a própria natureza os compele
(nesse sentido), ser libertados desta miséria. Porém, isso não poder ser realizado a não ser por contrato. Todos eles renunciaram a esse direito que têm sobre
todas as coisas para além disso, eu declaro e confirmo qual é a natureza do contrato; como e através de que meios o direito de um pode ser transferido para
outro, para tornar válidos os seus contratos; também que direitos e a quem devem ser necessariamente concedidos para o
estabelecimento da paz» (De Cive,
XVII-XVIII).
«O “estado natural” de Hobbes é,
portanto, um contexto de guerra de todos contra todos». Isto não deve ser
entendido de forma literal. O que Hobbes queria sugerir é simplesmente que,
perante a ausência de uma (entidade) que estabeleça e garanta a ordem, todos
terão que contemplar como último recurso para a defesa dos seus interesses, a
possibilidade de utilizarem a força.
«A única saída que Hobbes
consegue imaginar é através da transferência da responsabilidade pela segurança
de cada um para uma autoridade superior, a que se dá o direito exclusivo de
utilizar a força para impor a ordem. A essa autoridade superior Hobbes chamou
Leviatã», «o animal monstruoso retirado de uma muito privada leitura da Bíblia».
«Tratava-se do Estado moderno, cujos contornos se desenhavam no período em que
Hobbes viveu».
Resumindo:
a) Antes da existência do estado
civil, garantido pelo Estado, reina o estado de natureza (que é um
conceito-chave na filosofia de Hobbes e da justificação do contratualismo).
b) O estado de natureza é
definido como uma situação de guerra generalizada, um «conflito de todos contra
todos», directamente proporcional ao direito de todos a tudo.
c) Todos os homens acabam por
tomar consciência do carácter insustentável desse “estado de natureza”, e
procuram sair dele.
d) Para esse efeito, contraem um
contrato de mútua transferência de poder, cujas características constituem a
coluna vertebral da obra hobbesiana».
1.4.2. Uma teoria democrática de cidadania?
A partir daqui uma questão se
coloca: Hobbes parte de uma concepção filosófica individualista, «em que o
indivíduo tem todos os direitos»; mas acaba por nos conduzir a uma posição
contrária, num totalitarismo, «em que o indivíduo não tem quaisquer direitos»
(tese do Doutor Freitas do Amaral, DFA: II, 154)? Ou, pelo contrário, «o pensamento hobbesiano contém, na sua
estrutura interna, os fundamentos necessários para o desenvolvimento de uma
teoria democrática de cidadania».
A tese que iremos tentar
demonstra assenta nos seguintes princípios fundamentais, recolhidos de De Cive, são os seguintes: (a) o
princípio da igualdade natural; (b)
a prioridade do direito à vida; (c)
a origem popular da soberania; (d) o
carácter construtivo do Estado (por oposição às teses «naturalistas»); (e) a
racionalidade estratégica e reciprocidade dos interesses na ordem política.
a) O princípio
da igualdade natural
Diferentemente
de Aristóteles, «que aceitava existirem na natureza sementes para a
escravatura» (Política, 1254-1255; Metafísica, 1075), um dos postulados de
Hobbes é o de que existe uma profunda
igualdade natural dos homens, que radica na própria condição humana.
Escreve: «São iguais, aqueles que
conseguem fazer coisas iguais um contra o outro; só aqueles que conseguem fazer
as maiores coisas, nomeadamente matar, podem fazer coisas iguais. Todos os
homens, portanto, são, entre si, iguais por natureza; a desigualdade que nós
discernimos agora tem a sua origem na lei civil» (De Cive, I, p. 7)[19].
A consideração de uma igualdade
natural entre os homens, conduz-nos, imediatamente a uma antropologia de
conflito. O que não significa acolher a tradicional acusação de que Hobbes
considerasse uma certa malignidade natural, como inerente à condição humana.
Escreve: «Mas isto, de que os
homens são maus por natureza, não se deduz deste princípio – que as disposições
dos homens são naturalmente tais que, a não ser que sejam contidos pelo medo de
algum poder coercivo, cada homem desconfiará e temerá o seu semelhante
(XIV-XV). Porque mesmo que os perversos fossem em menor número do que os
justos, como, contudo, não os podemos distinguir, existe a necessidade de
suspeitar (…). Ainda menos se pode deduzir – desse princípio – que aqueles que
são perversos o são por natureza» (De
Cive, XVI).
Escreve ainda, contrariando a
redução do seu postulado à ideia de que «o homem é o lobo do homem»: «Para
falar com imparcialidade, ambas as afirmações são absolutamente verdadeiras:
que o homem é para o homem uma espécie de Deus; e que o homem é para o homem um
lobo errante» (De Cive, II).
b) A prioridade
do direito à vida
«A defesa da vida, o princípio da
auto preservação é um postulado permanente e essencial do pensamento político
de Hobbes».
Escreve:
«As paixões que inclinam o homem
para a paz são o medo da morte; o desejo das coisas que são necessárias para
uma vida confortável; e a esperança de as obter por meio da indústria» (Leviathan, XIII, 116).
«A melhor garantia da paz que
consegue salvaguardar a vida é conferida pela introdução contratual do Estado.
Este, antes de ser uma realidade institucional, é um imperativo racional
contido na lei natural (natural law)»[20].
Não é hoje, na generalidade das
Constituições actuais, o direito à vida…? Não é hoje, na generalidade dos
códigos penais… o direito à vida…?
Mesmo hoje, quando se debatem
direitos humanos de terceira geração, ou os direitos das gerações futuras, por
exemplo o direito ao ambiente, à qualidade de vida, o Direito à Paz, ao
Desenvolvimento, o problema dos bens finitos como a água…; o que está em causa,
como bem jurídico protegido… a vida humana?
c)
A origem popular da soberania
Um elemento
central em Hobbes, «capaz de libertar o enorme potencial democrático» do seu
pensamento, deriva da «compreensão da sua concepção do contrato social como
derivando da aplicação do princípio da origem
popular da soberania».
«Para Hobbes, a soberania depende inteiramente do poder
dos membros de uma comunidade dada. Não é o poder considerado de forma
atomizada, fragmentada e amorfa, mas o
poder organizado e constituído pelo contrato social. O poder das sociedades
não vem de Deus nem de qualquer desígnio natural indeterminável. Ele deriva inteiramente dos membros
constituintes de cada comunidade dada, desse momento racional em que uma
multidão de indivíduos decide agir em uníssono na busca de um interesse comum.
Nesse momento, e apenas nele, em que, por acordo e consentimento, irrompe o
contrato que institui o termo do “estado natural” e o início do “estado civil”,
nesse momento podemos falar propriamente de povo. É do povo, da vontade popular que deriva toda a soberania e todo o
poder do Estado, do Leviatã».
Em que termos?
«Eu cedo e transfiro o meu
direito de me governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia,
soba condição de tu transferires para
ele o teu direito, autorizando de um modo semelhante as suas acções» (Leviathan, XVII, 158).
«Esta submissão das vontades de
todos esses homens à vontade de um só homem ou de um conselho é então
realizada, quando cada um deles se obriga a si mesmo, por contrato com cada um
dos restantes, a não resistir à vontade desse homem ou desse conselho a quem
ele se submeteu» (De Cive, V §7, 68).
«E embora se possam imaginar
muitas más consequências (derivadas) de um poder tão ilimitado, contudo, as
consequências da falta dele, isto é, a guerra perpétua de todos os homens com o
seu vizinho, são muito piores» (Leviathan,
XX, 195).
d) o carácter
construtivo do Estado
«Hobbes, não se limita a superar
as teorias teológicas da fundamentação do poder. Ele coloca em causa,
igualmente, e tradição aristotélica do impulso natural para a organização das
sociedades políticas».
Escreve: «as sociedades não são
meros encontros, mas laços para o estabelecimento, dos quais são necessários a
fé e contratos (…) Portanto, o homem é tornado apto para a sociedade, não pela
natureza, mas pela educação» (De Cive,
I, 2).
Conclusões:
Influência de
Hobbes no totalitarismo:
- O Estado hobbesiano, tal como o Estado totalitário, não se funda numa
ordem axiológica ou teleológica decorrente das ideias de justiça e
liberdade. São razões de segurança que justificam o Estado (o terror e o
temor alicerçam uma obediência ilimitada por parte dos súbditos);
- O Estado hobbesiano é ilimitado no seu poder (não prevê ainda um
mecanismo de separação de poderes; é um Estado interventor na vida dos
súbditos e da sociedade);
- O Estado hobbesiano confere ao Estado o monopólio do exercício do
poder legislativo e faz da vontade do soberano legislador o único critério
de justiça das leis civis. Na medida em que o poder não estaria sujeito ao
direito positivo, o chefe soberano está acima do direito.
- A ideia de Estado em Hobbes é uma ideia de «tudo ou nada», o que exige
uma total rendição do indivíduo ao Estado…
No entanto, o Estado hobbesiano
encontrava três espécies de limites:
- O reconhecimento de Hobbes de que existiam certos direitos
inalienáveis: «cada súbdito tem liberdade em todas as coisas cujo direito
não pode ser transferido mediante pacto» (Leviathan, XXI, 177);
- «O fim da obediência é a protecção» (Leviathan, XXI, 180-181). Significa que a obrigação de
obediência dos súbditos estava dependente da capacidade do Estado para os
defender. Caso tal não acontecesse, estavam estes isentos de lhe obedecer.
Daí que se possa entender que «a obrigação dos súbditos relativamente ao
soberano não pode durar nem mais nem menos do que dure o poder mediante o
qual este tem capacidade para os proteger» (Leviathan, XXI, 180);
- Por fim, o próprio poder do soberano, apesar de se afirmar ilimitado,
estava em si limitado: partindo do entendimento de que «toda a iniquidade
está proibida por lei da natureza (Leviathan,
XXI, 174)», o soberano é responsável perante Deus pelas iniquidades a que dê
origem.
A Revolução Inglesa: o início da crise do absolutismo
real fora da Europa Continental e a utopia anti-absolutista (Morus e
Campanella).
A Revolução Inglesa (1600-1688)
A Revolução
Inglesa do século XVII representou a primeira manifestação de crise do sistema
da época moderna, identificado com o absolutismo. O poder monárquico,
severamente limitado, cedeu a maior parte de suas prerrogativas ao Parlamento e
instaurou-se o regime parlamentarista que permanece até hoje. O processo
começou com a
Revolução Puritana de 1640 e terminou com a
Revolução Gloriosa de 1688. As duas fazem
parte de um mesmo processo revolucionário, daí a denominação de Revolução
Inglesa do século XVII e não Revoluções Inglesas.
Esse
movimento revolucionário criou as condições indispensáveis para a
Revolução Industrial do século XVIII, limpando terreno para
o avanço do capitalismo. Deve ser considerada a primeira revolução burguesa da
história da Europa.
1.
Burguesia contra o Absolutismo
1.1. A burguesia se fortalece, e o Absolutismo passa a
ser um estorvo
Desde a formação do Absolutismo na Inglaterra,
com a Dinastia dos Tudor (1485-1603),
a burguesia comercial beneficiou-se do sistema de monopólio defendido pelo
Estado.
Entretanto, na medida em que o contingente
numérico da burguesia se expandiu (ou seja, surgiram muitos novos burgueses) ao
longo do século XVI e XVII, formaram-se duas categorias dentro da burguesia:
uma, por um lado, detentora de
privilégios monopolistas sobre o comércio externo, e outra, restrita ao
comércio interno e privada das vantagens oferecidas pelo Absolutismo.
No seio desta burguesia “deserdada” pelo
Estado, destaca-se um novo tipo, a burguesia industrial.
Assim, no século XVII, a maior parte da
burguesia inglesa (incluindo a dinâmica burguesia industrial) era prejudicada
pelo mercantilismo e pelo sistema de monopólios, e desejava eliminá-lo.
2. A Dinastia Stuart: um reforço inoportuno
do absolutismo
2.1. No lugar errado, na hora errada: a Dinastia Stuart
(1603-1649 / 1660-1688)
O último monarca da Dinastia
Tudor, Elizabete I, não deixou herdeiros, e por isso, ocuparam o trono da
Inglaterra seus parentes mais próximos, os Stuart da Escócia.
Os Stuart tiveram como
principal meta política reforçar o Absolutismo na Inglaterra, tentando
aproxima- lo do modelo francês. Para isso, adoptaram com maior ênfase a ideia
de direito divino. Tiveram grande desprezo pelo Parlamento e pelas opiniões da
burguesia e da gentry.
Jaime I (1603-1625) aliou-se aos grandes
nobres e vendeu inúmeros títulos de nobreza.
Já Carlos I (1625-1648) empreendeu uma severa
política fiscal, aumentando os impostos para financiar os gastos da monarquia
inglesa, sobretudo militares. O aumento da carga tributária passou a ser
combatido pelo Parlamento, amparado na Magna Carta, que proibia cobranças de
impostos sem consentimento dos contribuintes. Entretanto, os Stuart
permaneceram insensíveis aos protestos, agindo de forma ilegal para a obtenção
de recursos para o Estado.
No plano religioso, os Stuart defenderam a
uniformidade religiosa da Inglaterra em torno da Igreja Anglicana, perseguindo
ferozmente os puritanos (calvinistas). Vale lembrar que o calvinismo era a
religião da maior parte da burguesia “deserdada” (aquela que não usufruía das
vantagens do Estado).
Em 1628, a maioria burguesa reunida no
Parlamento aprovou a Petição de Direitos, declaração formal que reforçava os
princípios da Magna Carta (1215) contra as medidas arbitrárias do Rei . Os
Stuarts aceitaram num primeiro momento o protesto, mas em 1630, ordenam o
fechamento do Parlamento, iniciando na Inglaterra o chamado Período da Tirania
(1630-1640).
2.2. Os Stuart convocam o apoio da
burguesia, mas já era tarde
Diante da resistência da Escócia ao
Absolutismo dos Stuart e da tentativa de expandir a Igreja Anglicana para esta
região (a Escócia era Calvinista Presbiteriana), os Stuart convocaram os
Parlamento buscando apoio financeiro dos principais líderes da burguesia para
uma guerra contra os escoceses (1639).
A burguesia, reunida no Parlamento, não aceita
as imposições dos Stuart e revoga a maior parte dos impostos cobrados
ilegalmente. A Inglaterra estava assim dividida entre dois poderes: o
Parlamento, dando ordens por um lado, e o Rei, governando por outro.
3. A
Guerra Civil (1642-1649)
3.1. Inicia-se o conflito entre o Parlamento e o Rei
Aliados do Rei
(“cavaleiros”)
Ø
A nobreza feudal do Norte, enfraquecida após a
Guerra das Duas Rosas, resolve apoiar o Rei contra a burguesia, desejosa de
resgatar seu prestígio perdido.
Ø
Igreja Anglicana
Ø
Burgueses associados ao Absolutismo, prestigiados
pelos monopólios e pelo mercantilismo.
Inimigos do Rei
Ø
“Puritanos”, (“Cabeças Redondas”)
Ø
Gentry
Ø
Toda a burguesia excluída dos monopólios do Estado
(em especial a burguesia industrial).
Ao fim da Guerra
Civil, o Rei Carlos I Stuart foi decapitado pelas forças revolucionárias.
4) A República de
Cromwell (1649-1660)
4.1. Diante das
dificuldades, burguesia entrega poder a Cromwell
Diante do boicote sofrido pela Inglaterra por
parte dos Estados Absolutistas da Europa, e da crise económica gerada pela
Guerra Civil, a burguesia vitoriosa não teve outra alternativa senão entregar o
poder pessoalmente a Cromwell, que a partir de 1653, assumiu o poder como Lorde
Protetor, eliminando o Parlamento e actuando como um ditador.
Cromwell aboliu a propriedade feudal e
instituiu o Ato de Navegação (1651) que garantia que somente navios ingleses
(ou procedentes do país de origem das mercadorias transportadas) poderiam comercializar em portos da Inglaterra. Este
ato reforçou o poderio naval inglês.
O Ato de Navegação resultou na
Guerra Ango-Holandesa (1652-54), com vitória inglesa.
4.2. Levellers e True Levellers (diggers)
Os Levellers eram uma facção
política formada pequenos proprietários rurais que almejavam a expansão dos
direitos políticos na Inglaterra, tentando ir além do voto censitário, já os
Diggers eram uma facção política formada por camponeses, que pretendiam, além
da expansão dos direitos políticos, a reforma agrária.
A ameaça dos Levellers e o dos
Diggers foi utilizada por Cromwell e seus seguidores como justificativa para a
ditadura.
5. A Restauração
Stuart e a Revolução Gloriosa
5.1. Cromwell morre e os Stuart retornam ao poder
(1660-1688)
Em 1658, com a morte de
Cromwell, e após os dois anos do governo de Ricardo, filho de Cromwell, o
Parlamento aceita o retorno da Dinastia Stuart, mas desta vez exigindo completa
obediência dos Reis aos princípios da Magna Carta e da Petição de Direitos.
Carlos II (1660-1685) assume a coroa, mas com
claras indicações de que reconduziria a Inglaterra ao absolutismo de fato.
Com isso o Parlamento se divide em duas
facções; os Whigs (liberais, partidários de um governo parlamentar) e os Tories
(conservadores, partidários da presença forte dos Stuart como garantia contra
tendências radicais surgidas no contexto da revolução).
Os Stuart, a despeito do Parlamento,
resgatando os monopólios, e tentar ir mais além, buscando a conversão da
Inglaterra ao Catolicismo.
Jaime II (1685-1688) esposara uma nobre
protestante e com ela tivera duas filhas, uma das quais casada com Guilherme de
Orange, chefe de Estado das Províncias Unidas da Holanda. Em seu segundo
casamento, escolhera uma esposa católica, e com ela tivera um filho. Assim,
nascia um herdeiro católico para o trono da Inglaterra, Escócia, Irlanda e
Gales, o que era demais para o Parlamento consentir.
5.2. O Parlamento se revolta e depõe finalmente os Stuart
(1688)
Diante da resistência dos Stuart em aceitar as
mudanças impostas pela Revolução Puritana, Tories e Whigs (conservadores e
liberais, no Parlamento) resolvem decretar oposição aberta ao Rei.
O parlamento estabelece aliança com o Príncipe
Guilherme de Orange, genro de Jaime II Stuart, para que assumisse o poder na
Inglaterra, e solicita que venha apoiado por um exército.
Com o desembarque do príncipe de Orange na
Inglaterra, juntamente com suas tropas, Jaime II foge com destino a França, mas
é capturado. Desejando não criar um novo mártir para a causa absolutista,
Guilherme de Orange permite que Jaime II fuja em segredo. Ele é acolhido por
Luís XIV, que lhe ofereceu um palácio e generoso subsídio do Estado francês.
Guilherme de Orange torna-se Guilherme III da
Inglaterra (1689) e passa a governar em conjunto com Ana da Bretanha, sua
mulher (filha de Jaime II Stuart). Aceitam todos os limites impostos pela
burguesia ao Poder Real através da Declaração de Direitos (Bill of Rights).
Assim, o Parlamento volta a ser a autoridade central na Inglaterra.
A Declaração de Direitos garantia liberdades
civis, de imprensa e opinião, protecção à propriedade privada e autonomia do Judiciário. Estabelece
taxações submetidas à aprovação parlamentar, e pelo Ato de Tolerância, fica
estabelecida a liberdade religiosa.
Em 1689, com apoio de Luís XIV e do exército
francês, Jaime II desembarcou na Irlanda, O Parlamento Irlandês não havia
reconhecido a deposição dos Stuarts, e ainda desejava o domínio de um rei
católico. As tropas inglesas desembarcaram em 1690 e na Batalha de Boyne, Jaime
II foi vencido e retornou para a França.
Luís XIV ofereceu a Jaime II sua eleição como
Rei da Polónia, mas o ex-monarca Stuart recusou, temendo que a aceitação “não
fosse entendida pelo povo inglês”, e impedisse seu “triunfal retorno” ao poder
na Inglaterra.
Cansado de Jaime II, Luís XIV desiste de
qualquer tipo de ajuda aos Stuarts. Este foi o primeiro processo de extinção do
Absolutismo em um país europeu e de hegemonia das ideias burguesas, que
serviriam de exemplo para processos semelhantes posteriores.
TOMÁS MORE
Vida e Obra
Tomás More (1478-1535), nasceu
e morreu em Londres, foi um advogado brilhante, deputado e presidente do
Parlamento (speaker). Chegou a Chanceler (1º Ministro) de Henrique VIII em
1529. Era um católico convicto, grande humanista.
Tomás More após uma forte
resistência ao divórcio do seu rei, bem como à separação da Igreja inglesa em
relação à Roma, demite-se do cargo de Chanceler; recusa aceitar a lei que
declarou Henrique VIII chefe da Igreja Anglicana, e por isso é condenado à
morte por decapitação, acusado de alta traição.
É canonizado em 1935, é o único político proclamado
santo pela Igreja Católica até hoje. As suas últimas palavras foram: “Morro
servidor fiel do Rei, mas de Deus em primeiro lugar”
Principais Obras:
- História de Ricardo III,
entre 1513 e 1518;
- A Utopia, 1515;
- Resposta a Martinho Lutero,
1523.
More foi o primeiro defensor na história do pensamento
político de um socialismo cristão, socialismo na medida que preconiza a
abolição da propriedade privada e cristão na medida que procura dar a esse
modelo político inspiração moldada em Cristianismo.
A sociedade ideal de More não podia vingar, pois não era
livre, tudo era regulado pelo Estado: as casas, o vestuário, as refeições, as
viagens, os divertimentos.
More defendeu essencialmente uma sociedade marcadamente
espiritual, onde os utopianos praticam a religião católica, cultivam o modelo
cristão de família, do casamento e da educação dos filhos; por outro o projecto
de uma sociedade igualitária, sem propriedade privada, sem riqueza e sem luxo.
Mas também sem qualquer sombra de tirania.
“Não pode ser considerada justa uma sociedade em que
alguns tenham muito e por isso vivam bem, e outros tenham pouco, e por isso
vivam mal”.
TOMMASO CAMPANELLA
– (1568 - 1639)
Vida e obra
Campanella é nascido na cidade italiana de Stilo, na
Calábria, no dia 5 de setembro de 1568, recebendo no batismo o nome de Giovan
Domenico, tendo mudado-o para Tommaso, em homenagem a São Tomás de Aquino, ao
ingressar na ordem dos dominicanos em 1583, aos catorze anos de idade.
Campanella segue a tradição do pensamento
renascentista. Embora no convento tenha estudado a filosofia aristotélica. A sua vida, foi marcada pela perseguição
religiosa e pelo encarceramento político e a sua obra, que vagou entre filosofia
política, astrologia e teologia, observada no momento histórico no qual viveu.
A cidade do Sol de Tommaso Campanella encaixa-se perfeitamente
no perfil de uma sociedade utópica. Nela o autor descreve toda a estrutura da
cidade, sua construção, localização, administração, comunhão de bens e de
mulheres, educação, trabalho, religião, segurança e qualidade de vida.
Na cidade do Sol, Campanella expõe um sistema comunista,
porém, utópico. Nela, ele traça o plano de uma república imaginária em que
reinaria a igualdade política e econômica sustentadas por um alto nível
tecnológico e científico, inclusive, nela Campanella já levanta possibilidades
daquilo que mais tarde foi a revolução científica.
O caráter revolucionário de Campanella,
motivador de seus desejos de reforma universal, sua frustração na insurreição
contra a Espanha, em 1599, e a prisão a que fora condenado, levam-no, em 1602,
A cidade do Sol, representando, com um diálogo entre o grão mestre da ordem dos
hospitalários e um almirante genovês, as aspirações de uma cidade capaz de
abranger todos os homens e de solucionar de maneira radical o problema da
concórdia entre seus habitantes.
A construção da cidade certifica sua funcionalidade, como
descreve o próprio Campanella (2008 p. 19): “Na vasta planície surge uma
colina, sobre a qual se ergue a cidade”, “está dividida em sete círculos”, “nem
o primeiro círculo é possível superar, por ter muralhas muito largas e
fortificadas”, “logo surgem palácios... no alto deles se erguem pequenas
torres” e no lugar mais alto do monte “há um grande espaço plano, no meio do
qual surge um templo de estupenda arquitetura”.
De acordo com a descrição acima, idealiza-se na
Cidade do Sol uma fortaleza. Um lugar no qual os habitantes pudessem
organizadamente sentir-se seguros e tendo acima de si, no topo do monte, a
referência da república teocrática, o templo, de onde o soberano governaria a
cidade.
O governo da cidade está centrado no príncipe sacerdote
metafísico Sol, Este é assessorado por três príncipes Pon, Sin e Mor, “nomes
que significam potência, sabedoria e amor” (CAMPANELLA, 2008, p. 22). Cada um
desempenha seu papel de modo justo e competente:
Potência administra as questões que envolvem
guerra e paz, além da arte militar; é comandante supremo na guerra, mas não
acima de Sol. É ele que preside os oficiais, os guerreiros, os soldados, que
trata das munições, expugnações e fortificações (Campanella, 2008, p. 22).
Sabedoria cuida de todas as ciências, dos
doutores e magistrados das artes liberais e mecânicas e tem sob sua dependência
tantos dirigentes, quantas são as ciências: há o astrólogo, o cosmógrafo, o
geômetra, o lógico, o retórico, o gramático, o médico, o físico, o político, o
moral (Campanella, 2008, p. 22).
Amor cuida da geração, zelando pela união de
homens e mulheres, de tal modo que produzam excelente prole... tem sob sua
direção a educação, a medicina, as especiarias, a semeadura e a colheita das
frutas e dos cereais, os alimentos e tudo que se refere à alimentação, ao
vestuário e a geração, tendo sob sua dependência muitos professores... que se
dedicam a essas artes e ofícios (Campanella, 2008, p. 25).
Campanella (2008, p.25) enfatiza que “o
Metafísico administra todas essas coisas” e “nada é feito sem a anuência dele”.
Abaixo de Potência, Sabedoria e Amor estão os magistrados que correspondem “a
todas as virtudes que conhecemos” (CAMPANELLA, 2008, p. 28): liberalidade,
castidade, magnanimidade, Fortaleza, Justiça, Diligência, Verdade, Gratidão e
outros, todos zelam pela harmonia entre os irmãos. No entanto, observadas as
funções de cada um e colocadas, como na Callipolis de Platão, em função da
comunidade, a Cidade do Sol configura-se com clareza às tradicionais utopias,
haja vista que todos os solares têm funções específicas e direitos iguais
assegurados. Além disso, segundo Lopes Coelho (2009), o poder soberano
atribuído a Sol, não representa para Campanella poder de dominação, mas pelo
contrário, poder de organização e conhecimento, já que, também como em Platão,
é o maior conhecedor de todas as ciências e quanto maior a sapiência, tanto
menor a inclinação para o autoritarismo.
Lopes Coelho (2009) afirma o princípio da
comunidade na Cidade do Sol. Segundo ele, os solares possuíam tudo em comum:
casas, dormitórios, leitos e mulheres e de seis em seis meses trocavam de
lugar. Com esse procedimento, pretendiam evitar sentimentos de propriedade, de
herança, de amor-próprio, origem dos males entre os humanos, em detrimento do
amor comum, pela comunidade. Seu amor pela pátria também era muito grande,
visto que o amor à coisa pública aumenta, na proporção em que se renuncia ao
interesse particular, como afirma o filósofo:
Dizem eles que toda espécie de propriedade tem
origem do fato de construir casa em separado, de ter filhos e mulher própria, o
que finalmente gera o amor-próprio; por essa razão é que, para cumular de
riquezas e dignidades o filho ou para deixar-lhe herança, cada um, se for
poderoso e destemido, se torna fraudador da coisa pública; se não for poderoso,
se torna avarento, insidioso e hipócrita. Perdido o amor-próprio, porém,
permanece sempre e unicamente o bem comum (CAMPANELLA, 2008, p. 26).
A conquista do bem comum é o que assegura a
verdadeira sociedade, ou seja, o agrupamento social regido pela igualdade
encontrado essencialmente nas utopias, que Lalande (1999) considera existir a
partir do acesso possível aos direitos políticos, às funções, à hierarquia e às
dignidades públicas a todos os indivíduos, sem distinção de classe ou riqueza,
o que é evidente na Cidade do Sol, principalmente quanto à divisão justa dos
bens.
Tal organização alcança seu cume na estruturação
do trabalho entre os solares. Todos praticam a arte militar, a agricultura e a
pecuária e quem dentre eles se tornar melhor no exercício de cada uma, torna-se
mestre, comprometendo-se também com a educação dos mais jovens para o seu
exercício. Esses três ofícios, de acordo com Albornoz (2005), sustentam a
comunhão entre os habitantes da cidade. Além disso, são a síntese de todo o
trabalho conhecido até então, dando indícios da confiança de Campanella de que
sua utopia seria possível.
A educação se dá em função do trabalho, sendo a princípio dada
universalmente, pois “todos são educados em todas as artes” (CAMPANELLA, 2008,
p. 29), depois, por aptidão, particulariza-se. Educam a mente nas diversas
ciências e o corpo nos vários ofícios com técnicas apropriadas à idade de cada
solar. Os mestres formam novos mestres, e dentre eles surgem os futuros
magistrados, conforme as propensões de cada um àquela virtude pela qual zelará
na magistratura.
De caráter bastante utópico é também a idealização de
Campanella quanto às boas condições de vida dos solares. Segundo ele, “vivem
pelo menos cem anos, muitos chegam a cento e sessenta e raríssimos são os que
atingem os duzentos” (CAMPANELLA, 2008, p. 55). Para tanto, descreve todo o
conjunto que, ao seu ver, determinaria a longevidade da vida humana. Além daquilo
que é natural, como a alimentação, o trabalho e o descanso, e daquilo que é
científico, por exemplo, o conhecimento medicinal, há também muito de magia no
pensamento de Campanella. Isso se faz notar principalmente na orientação
astrológica na qual a cidade se baseia e na crença de que os astros determinam
rumos na vida humana, “por isso, ao construir a cidade, trataram de seguir os
signos fixados nos quatros cantos do mundo” (CAMPANELLA, 2008, p. 54).
A utopia de Campanella é ainda, segundo Coelho da Costa
(2006), a primeira a dar um papel mais importante às ciências naturais, sendo
tecnologicamente avançada. Seus habitantes, conforme o próprio Campanella,
usavam carros munidos de velas, que servem mesmo quando sopra vento contrário,
graças a um admirável aparelhamento de rodas.
Para Campanella a geração deve ser observada religiosamente
para o bem público e não para o privado e, além disso, a geração de boa prole é
importante na idealização da sociedade que se torna mais perfeita à medida que
seus habitantes o são.
Os aspectos que mais nos interessam
da obra: a questão da conquista e da conservação do poder (os primeiros XIV
capítulos); o realismo político (Cap. XV); os problemas do exercício do poder
(Cap. XVI a XXV).
E explica: «encontramos na natureza
do homem três causas principais de discórdia. Primeiro, a rivalidade; segundo,
a desconfiança; e terceiro, a glória» (Leviathan,
XIII, 112). Contudo, estas causas são, por seu turno, já um efeito e uma
consequência da paixão principal da natureza humana que é o desejo incessante
de poder. Ou seja: «não existe finis
ultimus, último fim, nem o summum
bonum, supremo bem, como é referido nos livros dos antigos filósofos morais
(…) A felicidade é um contínuo progresso do desejo, de um objecto para outro;
não sendo a obtenção do primeiro, outra coisa senão o caminho para (obter) o
último (…) Assim, em primeiro lugar, determino como tendência geral de toda a humanidade
um perpétuo e incansável desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a
morte» (Leviathan, XIII, 85-86).
Em Hobbes, lei natural e direito
natural não são sinónimos. Este último é o princípio de orientação reinante no
estado de natureza, que é o estado caótico de coisas que a lei natural e o
contrato por ela exigido vêm, justamente, interromper» (57). Contudo, «O
primeiro fundamento do direito natural consiste em que todos os homens se
empenham tanto quanto lhes for possível em proteger a sua vida e integridade
física» (De Cive, I, § 7, p. 9).